A (in)justiça da moral: o impacto da revisão criminal em casa de prostituição

Alexey Orlov By Alexey Orlov
Alexandre Victor De Carvalho

De acordo com o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o Direito Penal brasileiro tem, ao longo dos anos, enfrentado o desafio de se manter coerente com os princípios constitucionais de liberdade, dignidade e intervenção mínima. É nesse contexto que se insere a importante decisão do desembargador, ao julgar a Revisão Criminal que se discutia a condenação de uma mulher pelos crimes de manter casa de prostituição e favorecer a prostituição. 

A sentença, pautada por uma leitura moderna e constitucional do Direito Penal, resultou na absolvição da peticionária e expôs a fragilidade da criminalização de condutas socialmente toleradas. Saiba mais sobre o caso a seguir:

Interpretação constitucional e a falência do moralismo penal

Ao revisar a condenação imposta à peticionária, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho promoveu uma leitura jurídica que transcende a literalidade da lei. Embora os artigos 228 e 229 do Código Penal continuem vigentes, o relator considerou que sua aplicação literal fere princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. O desembargador afirmou que simplesmente aplicar a lei, sem considerar seu conteúdo substancial à luz da Constituição, é ignorar a existência de um Estado constitucional.

Alexandre Victor De Carvalho
Alexandre Victor De Carvalho

Segundo o desembargador, a norma penal não deve punir condutas que, embora reprováveis para alguns, são aceitas socialmente e não ameaçam a convivência pacífica da sociedade. O caso em questão envolvia um estabelecimento comercial utilizado para encontros amorosos, o que, na avaliação do julgador, não representava um risco à ordem pública ou aos bens jurídicos protegidos. Dessa forma, prevaleceu o entendimento de que o Direito Penal deve ser interpretado à luz do princípio da intervenção mínima.

Princípio da adequação social como critério de absolvição

A decisão proferida por Alexandre Victor de Carvalho também se sustentou no princípio da adequação social, que exclui do campo penal condutas que, embora tipificadas, se tornaram aceitáveis no convívio social. O desembargador destacou que a prostituição não é proibida no Brasil e que os locais destinados a esse tipo de atividade proliferam sob diversos nomes — motéis, casas de massagem, saunas, entre outros — com ampla tolerância social e, muitas vezes, publicidade velada nos meios de comunicação.

Assim, segundo o relator, é contraditório manter tipos penais que punem algo amplamente aceito pela sociedade. O desembargador mencionou autores para sustentar que o Direito Penal não pode funcionar como uma “polícia de costumes”. A condenação, nesse contexto, serviria apenas para reforçar desigualdades e punir os menos favorecidos, enquanto práticas semelhantes são ignoradas quando exercidas em ambientes elitizados e com linguagem disfarçada.

Crítica à seletividade penal e à hipocrisia normativa

Outro ponto forte do voto do desembargador foi a crítica à seletividade do sistema penal, que atua com rigor em casos de baixa repercussão social, mas fecha os olhos para infrações semelhantes em contextos de maior aceitação. Ele ressaltou que a aplicação dos artigos 228 e 229 do Código Penal acaba recaindo sobre pessoas marginalizadas, sem recursos, que mantêm pequenos estabelecimentos em cidades do interior, enquanto empreendimentos luxuosos nas capitais operam livremente.

Com base nesse raciocínio, Alexandre Victor de Carvalho apontou a hipocrisia do ordenamento jurídico que escolhe “quem” punir, e não “o quê”. O caso, nesse sentido, tornou-se simbólico de uma justiça que precisa evoluir, deixando de ser ferramenta de repressão moral para se tornar instrumento de proteção de bens jurídicos verdadeiramente relevantes. 

Por fim, a decisão do desembargador Alexandre Victor de Carvalho na Revisão Criminal nº 1.0000.11.013706-4/000 representa um marco no enfrentamento da moralidade punitiva no Direito Penal brasileiro. Ao reconhecer a inadequação da criminalização de condutas que não lesionam de forma concreta os bens jurídicos protegidos, o desembargador reafirmou o compromisso do Judiciário com os valores constitucionais e com um Direito Penal mais justo e racional. 

Autor: Alexey Orlov

Leave a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *